terça-feira, 13 de outubro de 2009

conversa sobre bons livros e o que eles nos ensinam... Como fazer um relatório de leitura!

Apenas um exemplo de relatório de leitura

Título da Obra: Português ou Brasileiro – Um convite à pesquisa.
Autor: Marcos Bagno
Editora: Parábola
Ano: 2004/5ª edição


O livro começa com uma indagação importante que coloca em cheque as relações entre linguagem e discriminação social – “Ensinar português ou estudar brasileiro?” Um questionamento lançado a todo educador brasileiro diante desse difícil papel que é enfrentar os preconceitos e as formas instituídas do Ensino da língua materna no Brasil. Para isto, aponta as características das duas possibilidades que o autor apresenta. Se você deseja ensinar português, então transmitirá de maneira consciente ou inconsciente uma ideologia da incompetência que esmaga a auto-estima dos cidadãos e estimula a idéia de que somos errados, não sabemos fala, nem pensar e consecutivamente “somos burros”. Desta maneira seu objetivo será provar que a língua correta e boa é a Língua Portuguesa falada em Portugal – A língua de “Camões”!E reforçará mitos que se perpetuam á séculos. Se por outro lado, a sua opção for Estudar brasileiro, então, o importante é não aceitar dogmas preestabelecidos e admitir que a gramática precisa ser revisada em seus conceitos e que devemos construir nosso próprio conhecimento percebendo a diferença entre o que realmente acontece e aquilo que os outros gostariam que acontecessem . Saber que estudar brasileiro é dar lugar a língua “real” que falamos aqui no Brasil, enfim quando decidimos por este árduo caminho assumimos uma postura social e política diante dos outros, pois entendemos nosso papel como cidadão que contribui para o crescimento e o conhecimento de todos. Diante de toda essa proposta está embutido um grande equívoco da cultura ocidental que confunde gramática com a língua, que na verdade são coisas distintas Porque muitos acreditam até hoje que conhecer a nomenclatura gramatical é respectivamente conhecer e fazer um bom uso de nossa língua.

É preciso perceber que a concepção do uso da língua a que se propõe o autor é que a língua derrube de uma vez por todas a fortaleza da Gramática Tradicional de uma língua idealizada e guardada a sete chaves por muitos, que se auto denominam “guardiões” do “bem falar” que pretendem proteger a língua dos próprios falantes nativos. Neste ponto o autor compara a letra da música de Aldir Blanc e João Bosco, como a própria problemática enfrentada pelos estudos e pelo uso da língua.
O livro, na verdade, pretende propor sugestões práticas e reflexões teóricas baseadas nas investigações lingüísticas mais recentes destinadas principalmente aos professores de Ensino Médio. Porque o autor acredita que antes disso a criança deve apenas fazer atividades de leitura e produção de textos. Mas, somente depois desse período de exercitação da leitura e da escrita é que podemos pensar em levar nossos alunos á prática da reflexão lingüística. Lembrando, é claro, que o autor não fala do ensino tradicional da gramática normativa, pois todo falante nativo de uma língua tem o direito de se expressar em sua língua materna, oralmente ou por escrito.O livro quer servir de apoio a quem estiver disposto a estudar o brasileiro e levar o aluno, e a nós mesmos, a conhecer melhor esta língua que constitui parte essencial de nossa identidade como sujeito social.
Sabemos que durante muitos anos os estudos sobre língua e linguagem se direcionaram para a língua literária, que representa uma pequena parte do universo da língua para servir como modelo, e na forma como os “imortais” e os “clássicos” usam a língua. Deste modo, para saber a língua o seu objetivo é chegar o mais próximo destes clássicos e foi assim que os filólogos instituíram a gramática que significa “a arte de escrever” e que segue até hoje como a nomenclatura de Gramática Tradicional. Uma separação rígida entre a “língua escrita” e a “língua falada” e essa proposta dos gramáticos alexandrinos que se perpetua em equívocos por milênios e somente ao final do século XIX e início do século XX começa as ser questionada e revista. O interessante é que essa opção consciente pela língua dos clássicos feita pelos fundadores da gramática, começou a ser usada como código de leis como forma de medir todo e qualquer uso da língua e seus falantes nativos.
A partir das idéias apresentadas o autor demonstra casos específicos de teorias e conceitos encontrados na gramática normativa tradicional e que são postos a prova diante do uso e de suas impossibilidade para atender a outras explicações e outros casos que o conceito não atende, ou melhor, “os furos” da Gramática Tradicional:Como o conceito do artigo indefinido de sentido genérico e artigo indefinido com conceito de particularizar os seres , os pronomes possessivos e as pessoas do discurso em atribuição de posse. Aponta esses furos que não são expostos ou discutidos abertamente. E assim perceberemos as diversas incongruências, contradições e incoerências nas conceituações e definições da Gramática Tradicional e podemos concluir que a gramática tradicional não tem bases científicas consistentes. O que tenta mostrar neste argumento é que, na verdade, a gramática tradicional e seus preceitos são os resultados de um processo discriminatório bastante perverso que transforma dogmas em verdades definitivas seguidas como postulados incontestáveis. E se a gramática tradicional se constituiu numa doutrina, sendo, portanto essa tentativa não-científica de explicar fenômenos da língua sem ser científico se há uma ciência da linguagem que chamamos de Lingüística e que se incumbe de tal tarefa.
A publicação do livro Curso de Lingüística Geral de Ferdinand Saussure foi o marco da Lingüística Moderna e a partir dele o estudo das línguas humanas nunca mais foi o mesmo, causando uma verdadeira revolução no estudo da língua e inúmeras inovações que a partir de Saussure outros estudos sérios se seguiram e que passam a dar a verdadeira importância à língua falada, algo que anteriormente havia sido esquecida. Os estudos que levavam a velha divisão entre o “certo” e o “errado” deveriam ficar guardados na história para avançarmos mais um passo adiante de Saussure e dos estudos que o sucederam. Contudo, infelizmente a Gramática Tradicional ainda é muito forte e influente nos dias de hoje por seu tempo de uso conquistou título de nobreza em contra partida aos estudos contemporâneos sobre a língua que é muito recente. E a pior conseqüência desse elitismo é o caráter não científico e folclórico do “erro” e que a lingüística moderna nos ensina em seus estudos é que definitivamente não existe erro em língua, o que existe são formas diferentes das impostas pela tradição gramatical e mesmo o apelo exclusivo dos fiscais da língua e da gramática tradicional à língua escrita sobre os erros ortográficos na verdade são desvios da ortografia oficial.
Outro ponto levantado por Marcos Bagno se refere à falta na gramática tradicional de descrições que levem uma maior compreensão das regras, pois nunca conseguem ir além das frases específicas e exemplificadas que cabem perfeitamente na situação explicada. E que torna esdrúxula, pois ninguém fala em oração, frase e período e as conversas e o texto não aparecem do nada. A frase não é o todo. A gramática tradicional ao deter sua investigação na sintaxe, deixa de fora todo o universo de coisas importantíssimas como a semântica e pragmática. E nenhum gramático poderá fazer nada diante as necessidades de expressão dos falantes, ela obedece as regras intuitivas de sua gramática materna. O que os gramáticos esquecem é que a articulação sintaxe-semântica-pragmática é uma ferramenta indispensável para compreendermos os fenômenos da língua de modo mais completo e criterioso. Um ponto importante mencionado é o tratamento da idéia de Norma, que se apresenta um tanto confuso e ambíguo, pois cada teórico se relaciona com este termo de formas variadas e que não coincidem. O que demonstra no fim das contas que “norma“ não é científica e é baseada em preconceitos, principalmente quando unida a palavra “culta”. Mas, “norma culto para os lingüistas é o conjunto de usos lingüísticos dos falantes cultos de um país , de uma região ou de uma cidade, sem esquecer é claro de definir o que é falante culto: um indivíduo com grau de escolaridade superior completa, nascido e criado na zona urbana, e é a língua dessa minoria que é considerada a “norma culta”.E uma concepção mais criteriosa se refere a idéia de língua que existe, que pode ser coletada empiricamente e que não coincide necessariamente com os textos literários e que é chamado de norma culta, o autor prefere chamar de norma padrão, porque se trata de um modelo de língua.É por isso que existe essa distância enorme entre a norma culta e a língua “real”, empregada pelos falantes cultos.
A principal característica de uma língua é sua heterogeneidade, pois toda língua nunca é uma coisa compacta e uniforme. Depois da chegada da sociolingüística, não é possível mais aceitar certos pressupostos sem base científica, pois acentuou ainda mais esse despropósito não científico em que se baseavam as gramáticas tradicionais e seus conceitos sobre as relações sociais e a língua. E se compararmos as gramáticas tradicionais percebe-se a pouca quantidade de colaboradores que fazem análises segundo critérios científicos mais rigorosos e diante de uma nova perspectiva da ciência da língua contemporânea. Diante desse estudo pretende apresentar algumas diferenças entre a língua falada e utilizada hoje e a norma padrão como, por exemplo, citado a pronominalização que vem de uma tentativa de reproduzir, em português, o quadro dos pronomes pessoais que existiam no latim o que representa uma forma de uso muito antiga da língua. E esse pensamento antigo se estende em outras instancias como a idéia de saber a língua como dever cívico ou moral vem dessa elitização do saber como propunha os gregos e os “sábios”, o que se espelha enunciados atuais que dizem “o Brasil é um país de idioma sem gramática”, onde o absurdo reside no fato de que uma não existe sem a outra.
O livro propõe que todo professor de língua portuguesa do Brasil deveria ter o dever profissional de conhecer o projeto NURC que divide o estudo de língua no Brasil em antes e depois do projeto NURC.A sigla significa norma urbana culta, em um conceito empregado por lingüistas , como um projeto de documentação e pesquisa de estudos da língua oral em diversas capitais do país e que tem como objetivo político a luta para conseguir ensinar a língua materna de uma maneira mais democrática e menos preconceituosa e mais realista por conseqüência.Diferentemente da velha doutrina gramatical conservadora que se limita sempre em “Ensinar = Repetir para Reproduzir”, e que muita gente ainda se utiliza até hoje. O que o livro nos chama atenção é que em pleno século XXI a função da escola, além de transmitir alguns conhecimentos básicos, instrumentais, deve ser de ajudar o estudante a produzir seu próprio conhecimento. É ensinar a norma padrão como algo independente das aulas de gramática tradicionais, da idéia de decorar nomes, técnicas, conceitos que muitas vezes não condizem com a realidade ou com outros exemplos o importante é fazer um estudo crítico apontando as problemáticas que se estende a dicotomia língua padrão e língua falada no Brasil.
É necessário, segundo a proposta do livro, observar alguns aspectos detectados pela gramática tradicional como “erros”, fazendo então uma investigação e uma comprovação de fenômenos como a estratégias da relativização; da pronominalização do objeto direto de terceira pessoa; pronomes sujeito-objeto; pseudopassiva sintética; regências do verbo ir e chegar com sentido diretivo.O livro se limita apenas a esses cinco fatos sintáticos e propõe mais quatro sugestões para futuras pesquisas no campo da lingüística e lança esse pontapé inicial aos estudos e a pesquisas sérias sem ideologias preconcebidas, na verdade propõe o repensar do conhecimento estratificado da gramática tradicional, lançando–nos a conhecimentos mais profundo e menos superficiais como se empenham os guardiões da “norma padrão”. Como uma mola propulsora á descobertas que estremeçam as colunas gregas dos palácios modelos clássicos impostos como padrão até hoje.

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