terça-feira, 28 de setembro de 2010

Um pouco de Florbela...

Eu
Até agora eu não me conhecia,
julgava que era Eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia.

Mas que eu não era Eu não o sabia
mesmo que o soubesse, o não dissera...
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim... e não me via!

Andava a procurar-me - pobre louca!-
E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!

E esta ânsia de viver, que nada acalma,
E a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!

Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"

domingo, 26 de setembro de 2010

Apenas uma reflexão...

A CULTURA INDÍGENA E A ESCOLA .
A escola é uma instituição relativamente recente para os povos indígenas. Teve início com os missionários jesuítas, na segunda metade do século XVI, As primeiras escolas para indígenas – e não de indígenas –, eram basicamente direcionadas na catequese, ou seja, tinham um objetivo específico “ensinar tudo o que é certo” na visão do colonizador e assim automaticamente mostrar-lhes que “tudo em seu modo de vida era errado” e ignoraram as formas educativas, costumes e tradições já estabelecidas anteriormente pelos indígenas que conheciam, no entanto, formas próprias de reprodução de saberes desenvolvido por meio da tradição oral e da passagem de conhecimento em um elo entre os mais velhos “anciões” e os mais novos. Sendo assim, o processo educativo indígena como instituição nasceu de uma forma de domínio e controle social derrubando tradições, costumes e valores. Assim como afirma Paulo Freire quando se refere à idéia de educação que impossibilita a autonomia:
“Executaram uma política destinada a desarticular a identidade das etnias, discriminando suas línguas e culturas, que foram desconsideradas no processo educativo”
Durante todo o processo colonizador, o discurso da educação indígena baseava-se no intuito de “ensinar” os “selvagens”, os povos indígenas foram submetidos a um choque cultural, produzido por um paralelo entre as práticas e concepções pedagógicas diferenciadas. De um lado, os princípios de uma sociedade indígena, cuja educação não dependia da escola, da escrita e de castigos físicos. De outro, as normas e regras de uma sociedade letrada, dependente da escola e da palmatória que entendia que desse modo corrigia os erros e assim educava. Esse fato ocorreu em diversas partes do país e trouxe conseqüências trágicas para as sociedades indígenas e consequentemente para seus valores culturais.
Os processos de aprendizagem que eram adotados pelos povos indígenas que aqui viviam foram desmerecidos e deixados de lado pelo colonizador, que ignorou as concepções pedagógicas indígenas, não querendo admitir a idéia de que os povos indígenas tivessem a capacidade de construir, ao longo de sua história, um discurso sobre suas próprias práticas educativas, logo compreendemos a concepção de que o espaço escolar e o saber dos “brancos” não fazem parte do seu mundo, pois esse mundo foi deixado de fora. O espaço escolar não se constitui da sociedade indígena, mas “para” os indígenas, é nesse mesmo espaço de “aprendizagem” que os indígenas tiveram de “desaprender” sua língua e seus costumes em detrimento a toda uma cultura formulada com valores completamente distante da realidade deles. A base da cultura indígena é na verdade uma sociedade sem escola, pois não havia situações sociais exclusivamente pedagógicas, a transmissão de saberes era feita no intercâmbio cotidiano, por contatos pessoais e diretos. A aprendizagem se dava em todo momento e em qualquer lugar. Na divisão do trabalho, não havia um especialista – o docente que estava separado do cotidiano do grupo. A aprendizagem se dava sem que isso fosse anunciado e era sempre possível aprender algo em qualquer tipo de relação social, isso fazia de qualquer indivíduo um agente da educação tribal, mantendo vivo o princípio de que “todos educam todos”. Por esse motivo, a própria realidade da escola como instituição é uma quebra dos seus costumes e tradições.

A PALAVRA...

Palavra Mágica
Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo.
Vou procurá-la.

Vou procurá-la a vida inteira
no mundo todo.
Se tarda o encontro, se não a encontro,
não desanimo,
procuro sempre.

Procuro sempre, e minha procura
ficará sendo
minha palavra.

Carlos Drummond de Andrade, in 'Discurso da Primavera'